segunda-feira, 23 de julho de 2012

Dieta do torpedo


E foram disparados torpedos anônimos no celular da Janete. Três vezes ao dia, em horários aproximados. Eram tão inebriantes que ficou sem coragem para saber de quem vinha. Um elogiava sua boca, o outro falava do pescoço, alguns repetidamente descreviam os quadris, as mãos, cabelos, olhos, têmporas, córtex, cerebelo...
Janete começou a esquecer do café e os docinhos da tarde com as meninas do escritório, em duas semanas emagrecia dois quilos, a pele cintilava, comprava roupa nova e aparecia na ginástica.
No final da segunda semana não se aguentando de curiosidade resolveu ligar.
-Alô? Quem fala?
-É Demétrio, em que posso ajudar?
-Meu nome é Janete e venho recebendo há duas semanas do seu celular, três vezes ao dia, torpedos com textos muito doces me descrevendo. São seus?
-Gostou dos torpedos com os textos? Minha nossa! Este é o número da senhora? Que bom que ligou!
E o coração da Janete saiu na escola de samba e percorreu do 17º andar até o térreo, em trinta segundos.
-Caso não tivesse ligado... Segurou a fala e podia-se ouvir Demétrio respirando bem fundo no ouvido de Janete.
Que raios o homem queria falar? Pensou. Não reconhecia a voz, nem lembrava de ter tido alguma coisa com algum Demétrio.
Mordendo a boca, suando frio, Janete tremia e vibrava como as mensagens de celular que chegaram para moderar seu apetite.
-Por favor, continue!
-Se a senhora não tivesse ligado, eu estaria cometendo um erro muito grande!
-Não precisa falar assim, ainda não sou uma senhora!
-Desculpe, Janete!
-E qual foi seu erro, Demétrio?
-Eu sou escritor. Contratei uma ótima revisora, a Inês que aceitou responder as correções dos textos através destas mensagens. Como não chegou a responder nenhuma, desconsiderei o trabalho combinado. O seu gesto ajudou a descobrir o engano e não vou dispensar a moça. Agora mesmo vou procurar o telefone dela e repassar estas mensagens! Muito obrigado!
Do outro lado, Janete emudeceu. O rapaz ainda tentou falar.
-Alô, alô? Imaginando que mulher seria e porque se identificava com as palavrinhas que ainda precisavam de correção, Demétrio achou a situação inspiradora, um bom argumento para uma nova estória.
Da próxima vez, seria ele quem ligaria para Janete com o intuito de conhecê-la.
Do outro lado da linha, Janete ficou muda, suspirou como quem se esvazia por inteiro e agiu como rezam os novos costumes, apagando o telefone e todos os pretextos.
Mais magra por fora e sem mesmas graças por dentro, morrendo de saudades da antiga forma, desceu para tomar o café da tarde com as amigas do escritório para voltar ao velho costume dos doces. No elevador, diante do espelho, colocou as mãos na cintura e concluiu que podia ter demorado mais para ligar para o rapaz. Faltavam duas semanas e apenas dois quilinhos para Janete entrar no seu vestido de noiva.

Por Maira Garcia

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