sexta-feira, 9 de novembro de 2012

A chegada e a partida de Clara.


A galinha chegou pelas mãos do chacreiro Seu Venâncio, no dia que o rádio e a televisão anunciaram o falecimento da cantora Clara Nunes. Não demorou para ser chamada de Clara, fora do galinheiro, é claro. E pelo dia de luto que veio, ficou decidido que não morreria como as outras. Seu destino não seria a panela. Depois de muito acordar e dormir, cacarejar, botar ovos, ver o nascimento e a partida de muitos galos e galinhas, o dia mais claro da Clara chegou. Seu Venâncio, percebendo o peso dos olhos da galinha e o fôlego sacolejado que se desalinhava a cada suspiro, abriu o galinheiro para Clara partir. Para as crianças menos crescidas, explicou que a Clara, que era muito aparecida, ia desaparecer na estrada. Tinha namorado, casado, virado mãe, avó e bisa e caprichado muito no feitio de seus ovos saborosos e que não achava direito que dormisse para todo sempre por ali. As crianças acenaram para Clara, que já não via mais nada. Para homenageá-la, a mulher do chacreiro, Dona Lucinda, colocou para tocar na vitrola um disco pra ir repetindo uma canção cheia de esperança, chamada "Minha Partida", na voz de Clara Nunes. E Clara sumia, ensaiando pra quem via, uma dança curiosa, do pouco equilíbrio, do desenho de suas marcas deixadas no caminho. E lá se foi  na calçada de terra, toda cambaleada, sumindo pra dormir para sempre na mata. Foi se despedindo, sentindo o respeito das promessas que o bicho homem às vezes faz e às vezes cumpre, a galinha foi marcando um ritmado desassossego, de meio fiozinho, um quicado que dava o rumo da sua nova morada. E foi numa chácara, numa beira de estrada do Brasil, que um povo a seu modo, inventou um jeito de deixar claro a saudade de um cantar, não deixando levar pra panela, uma galinha, batizada com o nome de Clara.

Maira Garcia

Nenhum comentário:

Postar um comentário