domingo, 31 de maio de 2015

Eu costumo optar pelos caminhos mais seguros, do que pela rapidez de chegar. No meu caminho, procuro me atentar em tudo ao redor, e há momentos que sou tomada pelos cheiros. Gosto de sentir os perfumes e os recados da calçada, como se essa quisesse me contar uma história. E a história nunca se repete em alguns trechos. Numa dessas calçadas, sempre me deparo com uma pequena churrasqueira, agregada de uma lanchonete. Ela me remete, dependendo do cheiro do dia, a churrascos memoráveis, à poluição da cidade, mas normalmente invade minha roupa e cabelo como uma intrusa, sem ser convidada. Isso acontece na maioria das vezes. Esta semana foi diferente. Prestei atenção no churrasqueiro, de uniforme, com avental branco e luvas, coisa rara na rua, que sorria da fumaça invasora. Na rapidez de minha passada, consegui ver o brilho dos olhos a molhar as carnes, a felicidade temperada no gostar do que se faz, a benção chamuscada do trabalho. Agora eu gosto daquela fumaça.
A voz que chora,
se entende com o coração,
basta um soluço.
Gente
brota 
do
Chão.
a ida,
que pede
a volta.
Despedida
(Deveria ser proibido morar longe)
Se o tempo tivesse tempo 
de esperar não correria.
O olho molha a boca.
Olhemos o céu,
quem sabe a gente
chove?

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Entre, enquanto passa
a fumaça covarde.
Entre, entre o ônibus e a árvore.

As folhas querem entrar pela
janela. O vento que entra,
esfria os
passageiros em torno delas.

Sentar pra ver
o caminho,
na lotação é sacrifício,
ficar em pé,
o aperto do início.

Entrar e sair é um parto.
Pessoas partidas,
unidas ao acaso.
O cheiro, adivinhar o perfume de onde vem, a maciez da boca, se combina o beijo. A textura do cabelo no meio dos dedos. Os dedos que se reconhecem nas almofadinhas das mãos. O caminho dos olhos onde pontuam e pulam as iris dos encontros. O amor envesga e sempre prega uma peça, e atrapalha, bagunça com as roupas, arrepia os pelos, pois sempre inventa, que dessa vez, vai acontecer de novo a primeira vez.
É pra ela que ele escreve,
é por ela que sua vida
segue cega.
Ontem fiquei triste,
me vi na obrigação
de sorrir,
Hoje,
a tristeza que aqui
insiste
me faz feliz.

terça-feira, 26 de maio de 2015

Essa dor embaixo da dobra do braço,
é dor-de-cotovelo.

É a elegia da graça,
que foi feita pra pessoa amada,
no cansaço de um apelo.

Carrego as mãos no rosto,
apoio os braços na mesa,
e o muito pesar 
inflama minhas certezas.

Essa dor embaixo da dobra do braço,
é dor-de-cotovelo.

Que vai desinflamar
com a vontade,
de quem vê que o braço 
do outro amor é de verdade,
e sabe
que onde o coração bate,
mesmo sem ser
seu tocador
será feliz.


segunda-feira, 25 de maio de 2015

A pele pálida clareada pelas cortinas.

Luzes dos faróis quase não se ouvem buzinas.
A gente nunca vai ser
aquilo que a gente não é.

(A quilo)
Hoje acordei com a fala de uma senhora de 82 anos, que conheci num restaurante que frequento no Centro, tinha um nome bonito, desses que tem nos livros antigos, mas agora não me lembro. Ela morava sozinha num prédio do Brás, e reclamava da ausência dos vizinhos que não se conheciam, salvo um casal de bolivianos que dividiam a mesma vista da varanda de serviço. Eu argumentei que todos sofriam da falta de tempo. Insistiu que os bolivianos trabalhavam muito, mas levantavam os bolos que faziam pela varanda e iam levar um pedaço pra ela. Molhavam as plantas do corredor caso ela se ausentasse, coisa que percebiam pelos passarinhos que ela cuidava. Tinha certeza que se um dia não acordasse mais, eles dariam por sua falta. Tempos depois, dei por falta dela, e como uma vizinha mexeriqueira, fui numa varanda do pensamento e vi os bolivianos chamando o síndico. Eles continuam cuidando das plantas e ouvindo os passarinhos.
O que fizerem da sua fala não fala mais.
É de outrem.
Entre, enquanto passa
a fumaça covarde.
Entre, entre o ônibus e a árvore.
As folhas querem entrar pela
janela. O vento que entra,
esfria os
passageiros em torno delas.
Sentar pra ver
o caminho,
na lotação é sacrifício,
ficar em pé,
o aperto do início.
Entrar e sair é um parto.
Pessoas partidas,
unidas ao acaso.

domingo, 24 de maio de 2015

sábado, 23 de maio de 2015

Na ponte da Santa,
eu vi brinquedos do espaço,
carrinhos centopeia,
cedê de marcapasso.
Na ponte da Santa,
eu vi mais
vida do que morte.
Vi gente tentando a sorte
antes
de chegar o rapa.
Santa Ifigênia,
olhai pelos que na ponte voam,
e pelos que sonham
encontrar uma rua direita.

quinta-feira, 21 de maio de 2015

A parte clara no céu escuro foi o dia que não quis chover.
Dobram os sinos,
dobram os joelhos,
prendem os meninos,
sobram conselhos.

E nos quintais do inferno
esperam milagres.

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Ela queria afeto,
ele queria sexo.
Fizeram um contrato.
Tudo estava dando certo.
Ele queria afeto,
ela queria sexo.
Fizeram um novo trato.
Pena,
que tudo deu errado.
Uma foto três por quatro,
um breviário de um pequeno
museu, que se abre na gaveta
do quarto.
Existiu um tempo
que eu só precisava de palavra.

E uma palavra me bastava.

terça-feira, 19 de maio de 2015



Pra deixar de ser besta.

Um bruxo, feito de maldade, tinha o hábito de sorrir, um sorriso sincero, de quem um dia quer ser bom, e isso lhe dava toda credibilidade que se possa ter.
Eis que chega o dia de cansar de ser.
Começou com uma dor fisgada na bochecha, mandíbula cerrada, dor de cabeça com pontada.
O diabo veio de surpresa fazer cócegas no pé dele:
-Vai ser bom nessa vida, homem!
Deixa de ser besta!
E o bruxo, desapontado de certezas, rio até sumir no firmamento.
Foi depois de muito tempo, que ouviram um choro de criança, que renasceu sem jeito, desconfiada de esperança.
Como o combinado, entre o anjo e o diabo, autorizado pelo Criador, pra deixar de ser besta, dessa vontade renascida, o desabruxado aprenderia a sorrir de verdade nessa vida.

(Maira Garcia)

domingo, 17 de maio de 2015

Essa dor
que sangra,
lembra
o mês,
toda vez,
a cada ano,
até o dia que parar.
Mulher é mulher,
bem
antes,
diante
do poder
de pensar
na dor,
da vida
e na morte
fingida,
mais cedo,
bem antes
de chegar.
Dois homens
de idade avançada
na calçada,
cada qual, se apoiando
em sua bengala.
A gentileza que não tarda.
Ilustre o lustre que remonta o passado
e desmonta o presente.
Na estante, de costas, informa o título exibido. As páginas tímidas, juntadas se recolhem aguardando a devida retirada. 
Um livro escolhido é devoto dos olhos, sofre de ansiedade pelas escolhas.
Uma curiosidade que corre com as letras para sentir se rola uma química. Coração acelerado, entregue no balcão, vai passear.
E as digitais reconhecem nas imagens as palavras,
microorganismos do destino, da fala
documentada.
Não se admire quando um livro abandonado embolora, ele sofre com a autoestima abalada,
vocação congelada
pela ausência de um toque,
um sopro de vida.


Em 15 de maio.
O dedo mindinho,
no dedo mindinho,
e ficava de bem.
Adulto complica tudo,
coloca o dedo indicador
em desconjuro,
pra
nunca mais se ver.
A distância,
medida da saudade.
Um cão sem dono, 
dono de si.
Late 
para existir.
A palavra cai
e as letras escrevem
levanta
E o sapato apertado,
no dia que folga,
você tira
e doa
a quem
doer
a falta.
O xarope
A mulher tossia, o nariz pingava, lenço cobria, espirrava, espirrava, espirrava.
De ouvir e dar desespero de sufoco.
No banheiro, uma senhora perguntou:
-Quer ajuda? Eu posso ir com você no posto! A mulher tosse, recupera o fôlego:
-Já teve gripe, é gripe! Não é tuberculose, não! Também não é do fumo. Estou expectorando. Um ex namorado me ensinou a fazer isso com pinga.
Um pouco de mel e pronto! Expectora! Tossindo, assoa o nariz com energia, leva o lenço branco no rosto, a voz entupida de pano:
- Durante cinco anos, nunca vi ele gripar!
- Você tem notícias dele, sabe se depois ele nunca mais gripou?
A mulher olha no espelho, ajeita o cabelo:
- A senhora é muito gentil, viu? Preciso ir, já expectorei bastante, vou ficar boa pra trabalhar! Sobre meu ex-namorado, nunca mais gripou, o xarope dele era bom. Morreu de cirrose.
A Rua São Bento
se despede
 de mim
 e me benze.
E não é sem tempo.
Cigarros da manhã,
perfumes ao cair da tarde,
mendigos ao levantar da noite.
Sacolas cheias de pessoas.
Rostos cinzentos,
olhos das peles coloridas.
Prédios beijados pelo vento.
Passos seculares.
Vitrines.
Santidade da cidade.


A paixão é um treino puxado,
faz um coração condicionado,
não ter medo de amar.

terça-feira, 12 de maio de 2015

No teto de zinco, 
chuva é a cavalgada,
que o vento relincha.
Qual a nossa sorte?
Que sejamos fortes,
sem arredar o pé do chão,
água na boca, 
estando ressequida,
tronco resistindo ao vento,
chuva forte, praga,
raio e sol do meio dia,
mas vem o machado
rente
e tira a nossa
soberania.

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Hoje eu resolvi digitar o que estava preso na garganta. Algumas palavras não conseguiram fugir, outras quiseram se esconder. Teve palavra que perdeu a palavra. Palavra sem boca, palavra desbocada. Algumas palavras foram engolidas, dissolvidas, represadas. Outras fizeram escalada, e encontraram um lugar no miocárdio. É ali, que ficamos sem palavras, sentam num ponto de fuga. A garganta dissolve o nó, e elas fogem.
A paixão sofre de falta de ética, quando os sentidos foram corrompidos.
Eu guardaria,
seu guarda,
sem desculpa.
Não quero levar multa,
mas vou deixar
na rua.
Todas minhas mágoas.
Os peixes que comiam bolinha 
de papel como isca,
se alimentavam de palavras.
Quero ser
o que amortece.
Ser quem abraça,
e não empurra.
Ser quem aborrece,
pra continuar
a caminhada.
E o ser que se esquece
que a vida é dura.
Luzia
Ela atendeu o último cliente. A luz amarela imita o Sol que faltou naquele quarto, o olho borrado vai manchar o lençol. Quando for uma hora, a mãe dela vai ligar para falar como anda a menina, o que aprontou na escola, o que descobriu sem ter ela por perto. O quarto deserto, recolhe as sombras do dia. Perto das duas horas, depois do choro e da melancolia, toma um banho, esfrega o azeite no olho, aproveita pra tirar a maquiagem. Toma um leite morno, veste o short de malha e a blusa de gorro, apaga o Sol, e se esconde debaixo da manta bordada da avó. Pede pra sonhar com a filha, e que Deus a proteja por mais um dia.
(
Ele fez dela
uma MC do ABC.
Deu um nome,
levou um mixer,
trouxe um empresário,
um itinerário.
O nome dele é microfone.

Casa 439

- Você ouviu o barulho?
- Sim, ouvi. É o pessoal que distribui
panfleto de dedetização. Deixaram outro, amassadinho na porta.
- Será que eles não percebem que a casa está abandonada? 
- Não percebem, nem os vizinhos, e a dona que passa chamando gente aqui, mais as cartas que chegam embaixo da porta. Esqueceu que já tivemos serenata dia desses?
- Não era serenata. Era um carro tocando aquela música que lembra demolição.
- E por falar em demolição, quando vai ser a nossa?
- Deve estar por perto, ouvi num celular,
que periga ser essa semana.
- Temos pouco tempo!
- Não entendo seu desespero! Sobrevivemos a falta de água e a peste da Dengue, duas dedetizações, um despejo, e dois incêndios!
- Eu tenho esperança que a casa seja tombada pela prefeitura! Nos papéis da gaveta do sótão que eu comecei a roer, junto com uns jornais velhos, encontrei a carteirinha escolar de um ex-morador ilustre, um tal prefeito campeão de obras, rei do piscinão, estradas e camburão. Não podem derrubar um lugar que ele viveu!
- Você andou mastigando ácido acetil salicílico, de novo?
- Como você sabe?
- Tem resto de comprimido no seu focinho! Foi na farmácia, né?

 E a gente precisando de batatas, francamente!
Entre formigas de qualquer lugar,
esquecemos a arrogância.
mãe espera,
mesmo que não seja,
mesmo que não nasça.
a mãe,
espera
de esperança.

domingo, 3 de maio de 2015

sexta-feira, 1 de maio de 2015

Ébano

Ébano, tem uma pisada forte, passa rápido e saúda todos com uma voz de sax tenor. Deixa um rastro de almíscar com o sopro da loção de barba quando leva a boca na minha face direita. Aperta a mão juntando as palmas, macia com pequenos calos da metalurgia, é um ferreiro. Independente do tempo que faça, usa uma camiseta de mangas curtas, a sentir seus pelos do braço.
O lugar se preenche de Ébano. Na escuridão que me encontro, tenho apego a pequenas fagulhas da sua presença. Outro dia fiquei surpresa, Ébano, me contaram, é branco.
Eu, negra, cega de nascença, sonhava com um príncipe negro. Silêncio, o Ébano está chegando.
Sobe o travesseiro,
desce o lençol,
cai a fronha.
Puxa o edredon.
Aos 17 que existem
em cada
 cor
poração.



















Imagem Maira Garcia
Você e mais alguém 
ali bem perto.
















imagem Maira Garcia