quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Canta pra subir

Cantos, atabaques, fumaça, era chegada a hora tão esperada. Revestiu o corpo de um rapaz mais forte e moreno do que ele, e era o Vinicius de Moraes, e ninguém precisava me falar. Trazia a aura mais clara, e o assustado sinal da cruz que fez dentro do terreiro, não restava dúvidas, veio o poeta no seu feitio mais jovem. Foi me segurando pelas mãos e com o pretexto de acalmá-lo, aproveitei o transe dos demais e pegamos o caminho da rua. E fui puxando seu cavalo, que me acompanhava junto aos movimentos sinuosos do meu salto, até entrarmos no primeiro hotel que encontramos.
O tempo era curto, não sabia quantas horas usaria aquele corpo. Pediu um wiskie na recepção e subimos. Engoliu o comprimido azul que lhe ofereci, sorvendo sem pressa, e sem perguntar a razão.
E começamos a retirar as peças, que iam se esfacelando pela farra dos atritos, ora sincopada, e depois sem ritmo, se esvaindo num aperto desesperado de súplica. E aquela alma dos olhos dormidos, me fez a pergunta:
-É assim que a gente termina? E puxando o ar rasgado, em sufoco, me espera, até eu mudar o enredo.
-É meu caro. Hoje, o infinito é enquanto for duro.
E o poeta se despede, morrendo no meio das minhas pernas, pela segunda vez na vida.

Maira Garcia

4 comentários:

  1. Que texto ótimo. Conciso, rico em imagens, com pequenos saltos narrativos.

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  2. Se consegui te passar essa sensação, fico muito feliz! Obrigado, Eduardo!

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  3. Maira: uma bela e bem urdida vingança.
    Mas o Vinivius merecia este 2º fim.
    Gostei muito. Nazareth

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    Respostas
    1. Nazareth, que visita boa!! Você que também esteve na oficina que originou este conto! Uma doce vingança, ou a alternativa de matar o personagem que a gente admira tanto! Culpa do João Carrascoza, de ter proposto este exercício tão cruel pra gente. Bjs

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